Contos curtos de uma longa pandemia

Por: Hal

WATSON

Aquela terça foi bem atípica, eram umas oito horas da noite quando minha mãe teve uma crise hipertensiva. Sem muito o que fazer me troquei coloquei ela no carro e rumei para o P.A. da cidade.


Parei em frente ao prédio e verifiquei aliviado que não tinha muita gente.
Eu não queria estar lá. Não no meio de uma pandemia. Na verdade, eu nem queria estar vivo. Mas isso é outra história.
Dentro do carro todo o procedimento ensaiado era executado: Álcool gel, mais álcool gel. Um pouco mais para garantir.


Entramos.


Olhei e pensei: Certo perdi minhas roupas. Vou ter eu tocar fogo nelas e depois tomar um banho de soda caustica. Vai ficar tudo bem.


A triagem foi rápida, o atendimento também. Minha mãe tem mais de 70 anos. Medicaram-na e tivemos que aguardar trinta minutos. O médico foi muito prestativo aliás.
Meia hora depois a pressão estava normalizada. De volta ao consultório…
O médico olhou para minha mãe e perguntou: “Caminhada? A senhora está fazendo caminhada?
E minha mãe respondeu – Bom doutor por conta da pandemia, na medida do possível.
Foi então que os olhos dele mudaram, ele suspirou e disse:

Olha, eu nem devia estar falando disso. Não faz parte da consulta, mas bom… O mundo. O mundo mudou. Vocês sabem né?
Seus olhos pediam aprovação.
E continuou: – Nada mais vai ser com antes. Nada! Então deu uma tapinha na borda do monitor que estava na mesa e disse a culpa é disso!
Pensei comigo: “É tecnologia, também não gosto. Antigamente é que era bom.

Mesa real


Mas meu pensamento foi cortado pela voz do médico concluindo seu discurso – Isso! Inteligência artificial! E enfatizou mais uma vez: INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL!
Por um segundo me peguei procurando alguma coisa com I.A. naquela sala. Mas o discurso inflamado do médico me absorveu novamente.
O Mundo mudou! Hoje – fez um gesto com as mãos – Todo mundo fica nos celulares é a inteligência artificial ela está acabando com a gente. Nada! Não tem mais nada. O Mal do mundo é a Inteligência artificial. As pessoas não conversam mais.
Seus olhos brilhavam, minha mãe concordava e citava os casarões descritos nas obras de Monteiro Lobato. Eu acenava com a cabeça de forma tímida. O Homem suplicava por apoio e minha mãe se empolgava com as lembranças do tempo antigo!

Isso que era vida!

Obviamente a coisa estava saindo do controle ali. Tudo culpa da Inteligência artificial!
Então um bipe tocou. Chamaram o doutor.
Peguei uma prescrição de Losartana 50mg, e fui para casa pensando:
Esse mundo? Esse mundo acabou…

Author: Eric Mac Fadden