Marasmo

O sol já se pôs e o ar continua parado.

Os malditos siriris continuam vindo em fila um a um, a se amontoar na luminária do aquário – leds atraem estas pragas assim como o mais mísero reflexo de luz em outra superfície – mas os peixes darão conta assim que caírem na água. Ao menos alguém aprecia esta lancinante temperatura.

Respirar é difícil, o ar tornou-se uma espessa gelatina que tem dificuldade em entrar e sair de meus pulmões. Qualquer esforço além de se mover no sofá é torturante, mas a bolsa de gelo que repouso sobre minha agora inútil carcaça aplaca a vontade de cessar com a existência.

A noite se aprofunda enquanto o relógio se arrasta morosamente rumo ao ápice da escuridão. “São sete horas ainda e está mais quente do que antes” – falo em um anêmico e desmotivado tom de voz afim de reafirmar ao ambiente que ele vencera com seu calor incessante. O ventilador promove um lento cozimento por convecção enquanto aguardo o sol do dia posterior me transformar em pururuca.

Já são nove horas, estou agüentando como posso” – constatando que meu corpo não liga mais para os 32ºC que desgraçam a existência saudável e pensamento racional. Contra meus princípios e a comida estocada, passo cinco minutos com a geladeira aberta e um pequeno ventilador à bateria me refrescando, mas sei que é inútil ao voltar para o inferno térmico que assola o mundo.

A lua minguante está vermelha, zombando de sua previsão para mais calor – até maior – nos próximos dias da semana. Hoje já não ouço os habituais bonobos que gritam no cio pelas ruas quando o clima esquenta, eles mesmos não querem passar por isso mesmo embebidos em gelado fermentado barato de milho e nem almejam atrair fêmeas com seus másculos sinais de virilidade símia. Nem o sol quer passar calor nessa noite.

Este ano fez um frio anormal, porém por pouco tempo. Deveria nevar por um mês neste território dantesco. Tudo gruda, as pernas, os braços, as dobras da barriga choram em desespero. Seis banhos gelados e a água parece estar quente mesmo vindo da caixa d’água no subterrâneo.

Nada parece se alterar, beirando a sandice. Ouço pássaros lá fora enquanto recorro às memórias de escutar de olhos fechados enquanto a luz azulada de uma tela brilha através das pálpebras. É o Corujão na Globo avisando que a madrugada está em seu fim, mesclando a familiar melodia com ônibus iniciando suas rotas e a tristeza de que em uma hora ou menos, terei de me levantar para encarar novamente o Astro-rei e sua troça.

Há névoa e o dia começa com tons demasiadamente róseos. O smog continua e sei que fará mais calor, mas navegar nestes oceanos de areia é preciso. Aguardo a repetição assim que retornar ao lar.

Bom dia.

Author: Eric Mac Fadden