O pior dia de todos

Baseado em fatos reais

Palmiro sempre teve azar, mas muito azar.
Desde pequeno, seus projetos e ambições o impediam de progredir na vida como um todo pois falhavam miseravelmente. A culpa nem era dele mas da entropia que simplesmente adorava lhe pregar peças com um sarcasmo sádico, povoando sua existência com desgraças e infortúnios sobrehumanos.

“bad luck loser” – segundo o Bing Image Generator

Desde improváveis falhas acadêmicas à vida amorosa, Palmiro fora vítima de um Universo cruel que simplesmente não apreciava sua presença e que o fez sofrer até perder tudo o que tentou construir. Tentos empregos e trabalhos perdidos, até ao fatídico dia que um ex-colega conseguira lhe atribuir uma contravenção que nada teve envolvimento, o condenando ao cárcere por um curto período de tempo.

Nesse período aprendera a consumir substâncias que faziam os cambapés levados, apenas memórias sem importância. Agora ele realmente sucumbia ao fracasso.

Abandonando a vida que o fazia sofrer e adquirindo hábitos nem um pouco salutares, o protagonista do triste conto iniciou uma vida sem amarras, regras e conseqüentemente, sem segurança. Um sem-teto, um mendigo desvalido com total ausência de futuro agora caminhava despropositadamente pela cidade. Anos se passaram e todos que conhecia apenas esmaeceram em sua túrgida mente repleta de químicos nocivos. Finalmente vencera as atrocidades que lhe eram aplicadas pelo destino.

Ou não.

O fatídico dia

Imagem que ecoará após a história

A vida que escolheu tinha suas desvantagens também. Além da dificuldade de conseguir uma refeição – não tão difícil assim, pois programas públicos de auxílio com dinheiro e alimentação não faltam – também havia uma conseqüência da sua opção de liberdade: aliviar necessidades fisiológicas.

Era sexta-feira dia 7 de novembro lá pelas 18h30. Próximo à uma cracolândia – uma praça numa rua sem saída atrás de um antigo jornal famoso da região – Palmiro sentia as forças do ciclo natural metabólico lutando contra os efeitos do cachimbo que acendera há pouco.

Conhecedor eficaz da região, prontamente escalava um muro que dividia a área que estava de um barranco relativamente alto de um movimentado viaduto cercado de árvores. Era seu canto especial e parecia que mais ninguém conhecia o ponto para dar fim ao que consumiu durante um período enevoado em sua mente.

Do alto de seu barranco, podia observar a totalidade da pista de baixo do viaduto. Uma avenida curva e abarrotada de bólidos ávidos para retornar ao ninho, cheios de olhares cansados pelo capitalismo e derrotados pelas dificuldades que Palmiro em sua própria versão de sagacidade, evitara.

Agachou-se ao lado de uma árvore de raízes semi expostas, sacando de uma sacolinha com pertences que esporadicamente coletava, um rolo de Neve folha tripla que surrupiou de um mercadinho antes que fosse enxotado – “Só um rolo basta, os donos são ricos e pedirão reposição por isso, ninguém perde” – assim pensava em uma das rara vezes que se sentia vitorioso – “Agora é hora de relaxar” – iniciando o movimento intestinal de forma magistral.

É hora de botar a mousse na tigela

Nem se lembrava que havia comido tanto, e tão mal. A massa era ejetada com a fúria de um mongol em 155 AD ao avistar Xiongnu e a quantidade escorria excessivamente por entre as raízes da árvore onde se escorava. Até a ponta de trás de seu chinelo fora batizada com o produto de sua labuta retorfuricular.

Suava em bicas e a dor que simplesmente eclodiu de suas entranhas esmaecia e a visão retornava aos poucos. A tempestade havia passado.

Ao voltar à realidade, apalpava o local onde havia deixado carinhosamente a ferramenta que honestamente subtraíra do comércio, percebendo que a mesma não estava lá. Sua vista apenas acompanhou a alva faixa que pintava um caminho maldoso do alto do barranco, agora demarcado até o meio da pista entre os carros que passavam lentamente, jocosamente zombando da figura envolta de um quasi-lusco-fusco da hora do rush no topo da ravina.

Ninguém nunca reparou em Palmiro. Ninguém dava bola para o que pensava ou o que fazia. O único que se importava era um cruel, maligno e cínico Universo que para todo sempre, estaria lá para lembrá-lo que mesmo insensível à realidade pelos entorpecentes, A Existência® ainda funcionaria da mesma maneira para ele.

Uma singela lágrima também desceria a ribanceira naquele final de tarde.

Author: Eric Mac Fadden