Acabou a mamata

Você é um CEO.

Sua empresa é basicamente detentora do maior banco de dados da civilização ocidental. Além disso, você centraliza a database dos outros. É confiável e seu público desconfia de você mas mesmo assim pela praticidade continua a se oferecer. É uma enorme corporação agora.

No início tudo era flores. “Não seja mal” – afirmava seu motto – e quem trabalhasse para você teria um playground no trabalho para afiar sua criatividade e saída para problemas. Trabalhar tinha de parecer divertido.

Yay! Trabalho!

Parecer divertido não é divertido

Uma promessa de alívio para as longas jornadas laboriais acaba por ser a única vantagem real de sua agora corporação. Tanto que os trabalhadores – por mais afinco e dedicação que tivessem, afinal estão num ambiente divertido! – começaram a não ter tempo para as “vantagens” do ambiente de trabalho.

O mundo também começou a mudar, e aos olhos de uma empresa cujo o objetivo era “não ser má” ficou pior. As pessoas começaram a ficar moles e acostumadas a ter mais direitos do que deveres, fora suas opções pessoais estavam pesando no orçamento e tempo hábil da empresa. Imagine ter uma seção em seu RH apenas para tratar de desvios psiquiátricos de funcionários? Que absurdo!

O escritório é D-I-V-E-R-T-I-D-O, que cazzo!

Ninguém mais pode se identificar como um cachorro felino vegano trans-Asperger com intolerância à lactose, amendoim, aveia, glúten, papel com gramatura inferior à 80g/m² ou ter afinidade com relacionamentos amorosos entre objetos que é considerado um defeito. Sociedade injusta!

E veio a pandemia

Gerentes tremeram nas bases. Sua função era de fiscalizar de perto os projetos e seções da empresa com olhos de águia e mão de ferro para que os reles funcionários – estes vagabundos! – executassem os trabalhos dentro da deadline. Mas eram estes que recebiam palavras ríspidas se um desses ingratos escorregasse.

Injustiça!

Então toda uma sorte de funções gerenciais poderia ser automatizada ou simplesmente deixada de lado, pois as pessoas cessaram a ida ao escritório para trabalhar do ventre de seus próprios castelos. Não havia mais a pressão dos olhos de um superior enquanto espiasse o concorrente – já que seu empregador falhara inúmeras vezes em produzir uma rede social decente – para ver como as pessoas estavam melhor do que você.

Terceirizando o trabalho hein? Boniiiiito….

Havia a liberdade de poder lavar louça sem que lhe impedissem de se “divertir” com outras coisas além das intermináveis tarefas empresariais. Haviam softwares para monitorar seu tempo trabalhandopobres gerentes – que poderiam ser facilmente enganados para prover um tempinho livre e descomprimir o stress. Ainda assim, entregavam o que lhes era requisitado. Stonks?

Acaba a pandemia

Toda as estruturas físicas e gastos com isso têm de voltar a ser úteis. A bola de neve (a que não dá lucro com a inocência dos outros) do home office apenas cresceu de tal maneira que grande parte das pessoas não quer voltar para o “escritório divertido que você CEO corporativo que não é mau, proporcionou com tanto sacrifício e dinheiro dos outros.

A enorme economia com energia e manutenção parece nem ter feito cosquinha no faturamento da empresa, portanto mesmo que tenham produzido mais os funcionários terão de voltar – nem que seja paulatinamente – para o ambiente que lhes deu a oportunidade de ganhar um salário justo e construir uma das maiores corporações do mundo, mesmo que não signifique que serão livres ou faça bem pras pessoas.

Seus colegas das outras corporações também já iniciaram o processo, inclusive você também começou a seguir seus exemplos demitindo e cessando contratações, afinal a empresa tem de crescer financeiramente, e nada pior pra um empreendimento do que ter de pagar por funcionários ingratos.

Só botar a culpa na “instabilidade mundial” e está tudo justificado.

Capitalismo acima de todos

Para se obter sucesso real, as empresas basicamente têm de se render ao capitalismo selvagem e massacrar concorrentes e impecílios à todo custo, principalmente se vieram do Melhor País do Mundo™. Não há espaço pra essas coisas que… como se chamam mesmo? Ah é, funcionários.

Mão-de-obra principalmente hoje em dia, se consegue em qualquer lugar. Se sua marca já é consolidada, pessoas brigam para trabalhar pra você. Não há escassez de trabalhadores. São descartáveis.

Sem contar na influência governamental que as grandes empresas têm, só que não é de hoje e isso já moldou e remoldou o mundo por diversas vezes. Mas tudo isso deve ser mentira afinal assim todos temos de seguir seu exemplo: “não seja mal“.

Fonte: Techcrunch

Author: Eric Mac Fadden