Estranho de ter me ligado. Havia sumido da roda dos amigos há um tempo e ela quer conversar justo comigo, e o mais estranho é que a esposa não poderia estar lá mas ficaria numa ligação pra escutar a justificativa do afastamento.
Desço do carro e ponho a Zona Azul no pára-brisas já observando o amarelinho na esquina. Vou até o prédio indicado e acho estranho de nunca ter reparado nele e seu estilo que não parecia pertencer à região. Interfono e ela vem abrir, me cumprimentando friamente – normalmente era uma pessoa alegre e pra cima – pergunto como estava a mãe, pai respondendo “bem, bem…“. Já me pede pra ligar pra minha esposa e ir direto ao ponto, respondendo da mesma maneira às perguntas de minha cônjuge.
Sou questionado se creio em conspirações ou cultos que planejam a dominação mundial e essas coisas, respondo que pode haver algo mas bem pequeno, nada como nos filmes, mas há algo. Eis que me revela ser a próxima na linhagem de um antigo culto poderoso onde apenas mulheres poderiam saber de sua existência, mas apenas as iniciadas, onde ela estava sendo treinada para se tornar a próxima líder, por isso de seu sumiço.
Diz que temos de viajar por uma hora para explicar melhor, ainda em ligação. Durante o percurso tento puxar assuntos antigos, quanto ao pessoal da banda do irmão dela, se havia falado há muito tempo com uma amiga em comum, apenas um papo-furado para quebrar o gelo, mas continuava apática e observando por todos os cantos da paisagem como se procurasse alguém olhando.
Chegamos a uma área rural relativamente montanhosa, onde ao longe se observava um deslocado moinho e vacas holandesas – todas manchadas como na embalagem do Milka – e fui sacar o celular para tirar uma foto e minha amiga me impediu, que era melhor nada ser documentado. Ainda.
Eis que explicando os mecanismos onde as mulheres do culto eram inseridas em todas as camadas sociais – inclusive nas mais humildes, como distração e para impedir que haja o interesse de algo mais complexo do que apenas ter dinheiro e manter-se ignorantes – revela que eram obrigadas todas desde o princípio da iniciação, a sacrificar uma vaquinha por semana e banhar-se em seu sangue, representando um renascimento e renovação pela troca de uma vida.
Enfim explica que a esposa não poderia estar lá porque “elas observavam” e a cada geração apenas um homem poderia estar ciente de tal seita. Porém seus planos eram de revelar todo o esquema em detalhes tão minuciosos que seria basicamente impossível de se esconderem na sociedade, como um parasita paralelo que ninguém consegue observar. Fui escolhido por trabalhar na imprensa e revelara que sua mãe já havia começado este processo antes, tinha material tão extenso que eu seria a segunda geração a trabalhar nisso, e que finalmente revelaria ao mundo a tramóia. Minha esposa teve de ser testemunha, pois teria de entender o que eu teria de fazer pro resto da vida, seria financiado por um desses sistemas imbuídos na sociedade sem limites de gastos para a investigação em segredo.
Agora minha vida mudou completamente, me tornara um espião financiado pelo próprio alvo que deveria, um dia, destruir.
Baseado num sonho real com pessoas reais