A moral

Robson não terminou os estudos. Aos 20 anos abandonou Ciências Sociais PUC-SP porque não concebia estudar uma sociedade tão desonesta e sorrateira quanto a brasileira, e quis conhecer o Velho Continente por conta disso.

Conheceu Janaína em Andorra – logo no segundo país de mochilagem – um ano mais nova porém muito mais vivida.
Com pele bronzeada por inúmeros sóis e sagacidade criada da pura necessidade de sobrevivência vinda de um lar desfeito em Florianópolis, ajudava Robson com as línguas locais – algo que ela aprendera um mínimo em todos os lugares – e feliz da vida ia ele lavar pratos e depois conversar por horas a fio em alguma paisagem fantástica que não vemos por aqui.

Ele se contentava com os poucos Euros que recebia pro hostel e três refeições. Ela trazia mais dinheiro do que podia imaginar no final dum dia, e nem se questionava como o fazia – ele trabalhava honestamente, mas desconfiava da parceira.

Em seis meses assim, sem querer, os dois acabaram se beijando ao pôr-do-sol em uma cidadezinha na Itália.
Nesse cenário mágico nada mais importava, ambos tinham a vida que queriam, apesar de Robson ainda sequer desconfiar do que Janaína fazia para arrecadar o que podia considerar muito mais do que um dia de bicos.

Em uma tarde tudo ia mal. O jovem já passava um ano fora de casa e há um mês não dava notícias à família, principalmente ao seu Alcebíades – o pai apesar da rigidez, considerava seu tempo sabático – e resolveu que iria visitar o Brasil por uma semana, depois combinariam de se encontrar em algum outro país.


Robson deixara cair e quebrar uma enorme pilha de pratos e copos, saindo fugido para não ter de trabalhar de graça pra não pagar o prejuízo. Foi dar uma volta no parque Floral de La Source ao lado da Universidade de Orleans na França e lá descobrira o que não queria: flagrou sua companheira de aventuras furtando mochilas e bolsas de estudantes e turistas distraídos.

Num misto de curiosidade e decepção, a assistiu como se embrenhava por arbustos e, devido à sua esguia figura, até mesmo passava desapercebida pelos antigos postes de luz. Não contente, surrupiava facilmente de dentro das carteiras os valiosos Euros que os fariam ter as mais gostosas aventuras pelo mundo.
Seus olhos marejavam com uma raiva contida como se tivesse sido traído – em seus ideais – e não suportaria compactuar com tamanha desonestidade, pois não fora o que seu pai lhe ensinou desde o berço e o que também motivara suas viagens.

Tantos favores dados de bom grado à eles por personagens com bondade real no coração enquanto não conseguiam um hostel ou comida tarde da noite. “Um abuso desmoralizante!” – ponderava Robson no caminho para buscar suas coisas no minúsculo quarto de hotel barato.

Desviava de inúmeros estudantes que povoavam o fervoroso corredor com a agilidade da La Gazza Ladra (A Pega Ladra – ópera de Gioachino Rossini) enquanto lembrava da peça que sua avó tanto tocava na vitrola a cantarolava quando era bem novo, apenas exacerbando a sensação de viver em um pesadelo musical que girava por sua cabeça.

Pegou carona até a capital, e após pedir ajuda financeira para seu estimado pai fez a ponte aérea Paris – Madrid – Guarulhos e chegou em casa. Uma figura bem diferente do jovem com brilho nos olhos que há dois anos tinha partido do ninho e agora apresenta um olhar cansado, pele grossa e um cavanhaque que sequer despontava em sua partida.

Seu velho não disse uma palavra, não questionou a repentina volta e lhe oferece um vaga na firma dum amigo, mas tinha de sair de casa em um mês e se virar realmente sozinho.

Robson não terminou os estudos. Aos 25 anos mora só em uma kitnet e se humilha como auxiliar de escritório há anos onde está preso – não há como sobreviver sem o emprego aqui, não há como escapar do emprego com o que ganha. Sua vida alcançara o ápice enquanto ignorante e feliz. O conhecimento matou sua alma e sua inocência. Ainda almoça domingo sim, domingo não na casa dos pais.

Mas ainda se arrepende de ter moral a cada dia olhando para o teto sujo de poluição acima de seu sofá-cama.

Author: Eric Mac Fadden